Caretos à solta











O mascarado que nesta região sai à rua nas festas solsticiais do Inverno e no período de Carnaval, assume hoje funções meramente profanas, bem distintas das que estão na origem do seu aparecimento. Sendo na Antiguidade um elemento de ligação entre os vivos e os mortos, entre o homem e a divindade, o mascarado parece hoje desempenhar, de forma inconsciente, as mesmas funções, mas aos olhos do povo representa o diabo e conscientemente se assume como tal nos gesto e atitudes que toma. Qualquer momento de passagem é crítico para a comunidade que o vive. O carnaval situa-se no momento de passagem do Inverno para a Primavera ou de um ano a outro (segundo o antigo calendário gregoriano o ano começava em Março). Logo, o Carnaval corresponde a um momento crítico para as sociedades agrárias. A presença do mascarado justifica-se assim e a sua acção relaciona-se com a preparação para essa passagem, através do desempenho das suas funções sagradas: purificação das comunidades, pela crítica social; o culto da Natureza, pelas suas atitudes licenciosas relacionadas com o apelo à fecundidade; o culto dos mortos e da divindade com a transformação de uma pessoa humana num ser com poderes que estão acima das normas sociais instituídas.
Por isso, o mascarado activo transforma-se num ser superior, gozando de uma força e liberdade sem paralelo; coloca-se acima de toda a lei humana e, como se se tratasse de um ente sagrado, mas possuído pelo diabo, se liberta de todos os entraves e dá largas às suas faculdades de destruir e de castigar, de troçar e de acariciar, de dançar e de gritar, a seu bel prazer.
Os mascarados de Podence enquadram-se nestas funções: expurgatórias por um lado, ao castigar os elementos da comunidade com as suas "chocalhadas" violentas e, por outro lado, propiciatórias, ao tomarem atitudes licenciosas para com as mulheres, outrora consideradas fecundantes, num apelo à fertilidade da Mãe-Natureza, no início do novo ciclo de vida.

António A. Pinelo Tiza


© Photos Luis Conde
Podence, Bragança, Fevereiro 2016